Era o tempo em que agarrávamos o crepúsculo, sobre a folhagem terna das árvores.
No tempo em que falávamos em silêncio, com palavras que passavam de mão em mão, na limpidez dos gestos vagabundos. As manhãs, eram esboços de um mistério por descobrir e quando saíamos da escola, corríamos pelos valados à procura de amoras e azedas que nos sujavam os bibes brancos.
No inverno, era o começo das viagens ao interior da terra, às viagens desenhadas com o dedo nos vidros embaciados das janelas quando o espaço se abria circular à nossa volta e a solidão se escondia dentro de nós.
Nesse tempo, as meninas pobres iam à escola com os olhos apagados e os cabelos cor de terra. Cheirávam sempre à tristeza dos lumes apagados e a professora tentáva limpar-lhes a sujidade das mãos, com o ardor das reguadas. Mas elas não chorávam. Talvez porque as lágrimas se tivessem gasto nos seus olhos....
Ficávamos parados nas esquinas e medíamos o tempo sempre igual, escondiamo-nos aos cantos, para não descobrirmos nos olhos dos outros o brilho estranho de quem sabia tudo, de quem tinha ultrapassado todas as fronteiras.
As nossas mãos eram vazias e o cansaço crescia à medida do nosso corpo.
Na rua, suportámos os pés descalços o contraste doloroso das coisas desiguais das vozes agrestes dos cegos que enfeitávam de música as calçadas da cidade.
Mas cansámo-nos de sonhos irreais: as rimas adormeciam sobre o desespero monótono dos dias sempre iguais e as lágrimas despertávam em torrente.
Foi então que ficámos mais perto da terra e procurámos no crepúsculo o grande mistério da infância.
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